RAMIRO MUSOTTO: O INÍCIO EM SALVADOR


Ramiro Musotto tocou bateria em uma banda criada em Salvador por Willy Wirth, contrabaixista argentino, (a banda C.A.N.O.S.) que contou com várias formações, e ficou marcada como a banda dos argentinos, já que além de Willy e Musotto, nela tocaram o tecladista Pedro Giorlandini e o baterista-guitarrista Sergio Beresovsky.
O trabalho como baterista é uma atividade pouco conhecida de Ramiro. Sabemos que ele tocou bateria apenas na sua fase mais jovem ainda em Bahia Blanca, em seguida já Salvador, com a C.A.N.O.S.  e, posteriormente, em gravações com o cantor e compositor baiano Moraes Moreira.

Ramiro Musotto como baterista, na época da banda C.A.N.O.S., em Salvador.
Fotos coletadas em: Reverbnation e Blog Diego Oscar Ramos.         

A Banda C.A.N.O.S. começou em maio de 1988, com a seguinte formação: Willy Wirth (baixista), Dominic Harry Smith, (guitarrista anglo-brasileiro) e o baterista baiano Jorge Lima. A proposta consistia em compor, tocar e cantar seus próprios temas, numa linha entre rock, reggae, ska, funk e punk-rock. Os palcos mais frequentes eram os bares do circuito rocker de Salvador.
Com a saída de Jorge Lima, para viver em Buenos Aires, ocuparia seu posto o baterista e percussionista baiano Nanny Assis, que também saiu, para tocar em Nova Iorque.
Aliás, outro músico argentino, o baterista-guitarrista Sergio Beresovsky, também de Bahia Blanca, teve curta passagem pelo 'power trio', antes de viajar para a Europa.
Em seguida, justamente quando Dominic passa a trabalhar como técnico de som com Margareth Menezes, foram convidados para integrar a banda Ramiro Musotto e Pedro Giorlandini, (tecladista argentino, de Bahia Blanca) que já tocavam com Margareth. O resultado foi um som poderoso, de base compacta, com arranjos avançados para a época, mesmo tocando fevo, samba-funk ou samba-reggae, o que terminou fazendo com que Margareth Menezes contratasse Willy como baixista de sua banda e ainda convidasse a C.A.N.O.S. para abrir seus shows durante as muitas turnês que realizariam. Em uma dessas turnês, eles gravaram uma fita demo em 24 canais, no estúdio de Dominic Chaloub, em Paris.

Pedro Giorlandini e Ramiro Musotto eram, então, os responsáveis pela concepção dos arranjos para Margareth Menezes.  Pedro contribuía com um toque refinado e "pop". Willy, com a sonoridade mais roqueira no baixo e Ramiro era o grande maestro de ritmo. Assim, a banda de Margareth tinha um expressivo núcleo argentino que não deixava nada a desejar.

A proposta musical do grupo C.A.N.O.S. incluía diversas fusões. Sobre o Ramiro Musotto baterista, Willy comenta: "Ramiro tocando bateria era um espetáculo à parte, tinha uma pegada monstruosa e um sentido rítmico muito rico, que lhe haviam proporcionado os muitos anos de estudo e a prática como percussionista." (In: Blog La Casa de las Voces - Historias y sentidos en la vida y obra de Ramiro Musotto - Diego Oscar Ramos)

Um dos temas mais interessantes criados pela banda e registrado nessa demo, foi exatamente uma homenagem a Ramiro, aqui descrita por Willy:
"Fomos a primeira banda de rock no Brasil a fundir o samba-reggae com rock, em “Folklorito”(*), o tema que compusemos em homenagem a Ramiro, retratando suas idiosincracias típicas de baiano adotivo, esse “folklore” que ele levava no sangue a todo momento, em sua música, seu gosto pela culinária baiana, sua curiosidade pela cultura local, sua paixão por desvendar os secredos da riqueza rítmica e musical brasilera." (In: Blog La Casa de las Voces - Historias y sentidos en la vida y obra de Ramiro Musotto - Diego Oscar Ramos )

(*) Folklorito era um apelido carinhoso para Ramiro, entre os membros da banda, que exclamavam: "Arriba Folklorito!".






Folklorito, composição em clima de paródia que descreve as andanças de Musotto pela Bahia, uma fusão pioneira de um rock com ar 'new wave' e samba-reggae.
http://www.reverbnation.com/play_now/song_5474879


C.A.N.O.S.: Willy Wirth, Pedro Giorlandini, Dominic Smith, Ramiro Musotto.
FOLKLORITO
(C.A.N.O.S. / Angela Lopo)

Toca repinique
Toca berimbau
Toca bem as congas
(Três Congas)

Come vatapá
Adora dobradinha
Com muita cervejinha e
Pimenta malagueta

Ele conhece Tonho Matéria
Ele é amigo de Beto Silva
Faz parceria com Rey Zulu
Amanhã tem gravação
Na casa de Ademar

Morou no Pelourinho
Morou na Liberdade
Morou no Santo Antonio
Agora mora no Farol
E fica vendo o por do sol

Ele acompanha o bloco Ilê Aiyê
Ele toca com Dodô e Osmar
Ele delira com Filhos de Gandhy
Ele agora quer fazer um mulatinho


(eli eli...)

Folklorito
Mussurunga boy
Folklorito
Sussuarana street

Ele fala gíria com sotaque argentino
Nos fins de semana ele vai pra a Ilha
Come mocotó lá nas 7 Portas
Pesquisa Noel Rosa, João Gilberto e Cartola

Faz capoeira com João Pequeno
Toca o bongô com Mestre Pintado
Come maniçoba com dona Canô
Ele é Folklorito nosso inspirador

(eli eli...)

Folklorito
Mussurunga boy
Folklorito
Sussuarana street


(Falado)
Folklorito
Fica queto rapaz
Ó xente

...


(i i lei le i...)


Ô ô ô ô ô ô ô ô
Ê ê ê ê
Aê Aê Aê Aê 

Ramiro, a comida baiana e o encontro com Valmir das biribas, em Itaparica.
Imagens capturadas do vídeo: http://youtu.be/cvH9k38jX0o



A letra de Folklorito merece alguns comentários para ajudar na compreensão das muitas referências, principalmente para quem não é de Salvador:
 

FOLKLORITO
(C.A.N.O.S. / Angela Lopo)
*

Toca repinique
/ Toca berimbau / Toca bem as congas / (Três Congas) / Come vatapá / Adora dobradinha / Com muita cervejinha e Pimenta malagueta

Ele conhece Tonho Matéria
(1) / Ele é amigo de Beto Silva (2) / Faz parceria com Rey Zulu (3) / Amanhã tem gravação / Na casa de Ademar (4)

Morou no Pelourinho
(5) / Morou na Liberdade (6) / Morou no Santo Antonio (7) / Agora mora no Farol (8) / E fica vendo o por do sol

Ele acompanha o bloco Ilê Aiyê
/ Ele toca com Dodô e Osmar / Ele delira com Filhos de Gandhy / Ele agora quer fazer um mulatinho
(eli eli...)

Folklorito
/ Mussurunga boy (9) / Folklorito / Sussuarana street (10)

Ele fala gíria com sotaque argentino / Nos fins de semana ele vai pra a Ilha (11)
Come mocotó lá nas 7 Portas
(12) / Pesquisa Noel Rosa, João Gilberto e Cartola

Faz capoeira com João Pequeno
(13) / Toca o bongô com Mestre Pintado (14) / Come maniçoba com dona Canô (15-16) / Ele é Folklorito nosso inspirador
(eli eli...)

Folklorito
/ Mussurunga boy / Folklorito / Sussuarana street

(Falado)

Folklorito
/ Fica queto rapaz / Ó xente  (17)
...
(i i lei le i...)

Ô ô ô ô ô ô ô ô
/ Ê ê ê ê / Aê Aê Aê Aê (18)

A voz de Margareth Menezes (trecho da canção Elegibô) foi colada em algumas partes da composição,  em uma delas de trás para diante, como mais uma citação da cena musical em que Ramiro estava muito envolvido,  retratando assim o contexto global da época.

(*)
C.A.N.O.S /Angela Lopo
Angela Lopo, uma das melhores e mais requistadas 'backing vocals' do Brasil. Gravou com a grande maioria dos artistas da primeira fase da axé-music, e fez vocais para Margareth Menezes e Gilberto Gil em inúmeras turnês.


(1) Tonho Matéria - (Antônio Carlos Gomes Conceição) Um dos compositores mais gravados pelos artistas dos círculos da axé-music e do pagode baiano. Foi vocalista do bloco afro Olodum entre 1985 e início de 1989, retornando alguns anos depois ao mesmo bloco.

(2) Beto Silva - Compositor baiano, autor do sucesso "Prefixo de Verão" (Baianidade Nagô).

(3) Rey Zulu - Cantor e compositor baiano, parceiro de Daniela Mercury e cujo primeiro LP (Minhas Origens, 1989) teve grande participação de Ramiro Musotto.

(4) Ademar - Ademar Andrade, cantor,  compositor e tecladista, criador da banda Furta Cor, responsável por muitos sucessos da axé-music nos anos 1980 e início dos anos 1990.

(5) Pelourinho - O Pelourinho foi um dos primeiros lugares onde Ramiro Musotto se estabeleceu ao chegar a Salvador. Era a fonte perfeita de informação para quem buscava o aprendizado dos rítmos e dos segredos da percussão, dos tambores, da capoeira e do berimbau.

(6) Liberdade - Um dos bairros com a maior concentração de população afro-descendente de Salvador. Esse tradicional bairro é muito famoso, pela sua importância histórica e cultural. Está ligado à localidade vizinha, - o bairro do Curuzu, onde fica situada a sede do bloco afro Ilê Aiyê.

(7) Santo Antonio - Um bairro tradicional do Centro Antigo de Salvador. No seu lado extremo, fica o Forte de Santo Antonio Além do Carmo, onde estava situada a Academia de Capoeira Angola de João Pequeno de Pastinha, e onde eram também realizados os ensaios do bloco afro Ilê Aiyê. No bairro de Santo Antonio ficava a sede do antigo bloco "Os Corujas". O Cantor e compositor Gilberto Gil, que morou no Santo Antonio na sua juventude, refere-se ao bairro, na letra da canção "Tradição" ("Conheci essa garota que era do Barbalho / No lotação de Liberdade"...)

(8) Farol - Farol da Barra, local onde Ramiro morou, por um período, em um apartamento no qual reunia os amigos para longas reuniões noturnas, tendo como inspiração a privilegiada vista da Baía de Todos os Santos.

(9) Mussurunga - Bairro da periferia de Salvador, próximo de Itapuã.

(10) Sussuarana - Bairro da periferia urbana de Salvador, localizado numa área onde existia um remanescente de Mata Atlântica.

(11) Ilha - Ilha de Itaparica, local onde Ramiro costumava ir para descansar, se aproximar da natureza e mesmo obter as "biribas", para usar nos berimbaus.

(12) 7 Portas - Bairro de Salvador próximo ao Centro Antigo e carregado de significados por abrigar o antigo Mercado das Sete Portas, onde circulam além de todo tipo de produtos horti-fruti-granjeiros, farinhas, carnes, etc., os elementos tradicionais ligados ao uso popular, como as inúmeras barracas de artigos religiosos afro-brasileiros.

(13) João Pequeno - Mestre de Capoeira Angola, discípulo de Mestre Pastinha, falecido em 2012.

(14) Mestre Pintado - Referência a Mestre Pintado do Bongô, um dos professores de Carlinhos Brown.

(15) Maniçoba - Comida típica da culinária indígena brasileira, preparada com as folhas da mandioca, carnes suínas e bovinas, considerada uma comida das mais "pesadas", apesar de ser retirado todo o veneno da planta.

(16) Dona Canô - Claudionor (Canô) Veloso, mãe do cantor e compositor Caetano Veloso, natural de Santo Amaro da Purificação.

(17) Ó xente - Expressão regional, típica do nordeste brasileiro, corruptela de "Ô gente", uma exclamação que denota surpresa, estranhamento ou procura chamar a atenção.

(18) Aê, ô, ei - Essas exclamações foram colocadas com o propósito de parodiar a composição Prefixo de Verão, de Beto Silva, muito cantada em Salvador na época:

Prefixo de Verão (Composição: Beto Silva)
Quando você chegar / Numa, nova estação / Te espero no verão / Salve Salvador / Me bato, me quebro / Tudo por amor / Eu sou do Pelô / O negro é raça / É fruto do amor / Salve Salvador / Me bato, me quebro / Tudo por amor / Eu sou do Pelô / Aê aê aê aê / Ei ei ei ei / Ô ô ô ô ô ô ô ô



Ainda na fita demo da banda C.A.N.O.S., está o registro de uma das primeiras composições de Ramiro Musotto, na qual ele já deixava claro os caminhos que iria seguir. Fusões de idiomas, de estilos musicais, colagens de sons, para as quais os músicos da banda estavam preparados e afins. Lembrando que essa fita foi gravada durante uma das turnês de Margareth Menezes, em Paris, com a seguinte formação:
Willy Wirth, Pedro Giorlandini, Dominic Smith, Ramiro Musotto. 

 NOBODY (Ramiro Musotto)

  


 http://www.reverbnation.com/play_now/song_5474879 



Referências:
Blog "La Casa de las Voces - Historias y sentidos en la vida y obra de Ramiro Musotto". Investigación y textos: Diego Oscar Ramos
http://testimoniosyhomenajes.blogspot.com
C.A.N.O.S - Prov.de Buenos Aires, AR - Rock / Punk Rock / Acid Jazz
http://www.reverbnation.com/1017352

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